Percurso Profissional (Apresentado no Concurso Para Especialista Académico)
Em diferentes momentos da vida, aparentes pequenas
oportunidades provocaram grandes metamorfismos pessoais, familiares e profissionais.
Foi assim em 1995 (Coimbra), 2001 (Universidade Atlântica),
2003 (Instituto Piaget), 2007 (Ordem dos Enfermeiros) e também em 2011.
A frequência do Curso Superior de Enfermagem em
Coimbra, tendo eu crescido em Sintra, permitiu-me reforçar a responsabilidade
do que hoje, vinte anos volvidos, se reconhece por desenvolvimento profissional.
Fruto do caminho percorrido, atualmente reflito com
mais amplitude sobre a frase de Ortega “O
homem é o homem e a sua circunstância”.
Os sete anos de exercício profissional com enfermeiro
(cuidados gerais) na Unidade de Cuidados Intensivos de Neurocirurgia do
Hospital de S. José, foram uma verdadeira ‘escola profissional’, cujo impacto
no meu desenvolvimento só terá sido percecionado em anos posteriores.
Decorrente do trabalho, dedicação, pesquisa, discussão intra equipa, bem como
de reflexão na e sobre as práticas, ‘fui’ Patricia
Benner antes de a conhecer.
Se numa fase inicial, estive centrado no domínio da
componente técnica, progressivamente a energia de um jovem enfermeiro foi
direcionada para as famílias e para a equipa.
Consciente deste facto, não vislumbro porém quem ‘chegou
primeiro’, se a família se a equipa.
A intensa participação nas discussões sobre
Enfermagem, o acompanhamento de estudantes em Ensino Clínico e, apesar de com
menos frequência a integração de jovens profissionais, prepararam-me ou
desencadearam um enorme interesse pela dimensão pedagógica/educativa.
Este processo causava um relativo paradoxo de
sentimentos.
A evidente satisfação pelo resultado desta profícua
interação formativa era, introspetivamente ensombrado pelo receio de
estagnação.
Num contexto em que a oferta formativa na área de
enfermagem (especialidades) era bastante limitada, para não dizer inacessível,
a um enfermeiro com pouco mais de dois anos de experiência profissional, experiência
essa que muitas vezes era o critério decisivo, o curso de Licenciatura em
Gestão em Saúde surgiu como percursor de mais um metamorfismo.
A proximidade geográfica da Universidade à residência,
bem como a possibilidade de frequência às aulas em regime pós-laboral, foram acessórios
favoráveis a acrescentar à possibilidade concreta de adquirir conhecimentos em
Gestão e assim melhor compreender e intervir junto da equipa.
Competente
mas talvez ainda não proficiente. O
percurso profissional, apesar de exercido no mesmo serviço, foi enriquecido em
consequência das inúmeras análises situacionais mais globais que parcelares. O
contexto de exercício profissional passou de átomo a cosmos e o desempenho foi
segura e continuamente melhorado. A prestação de cuidados não era apenas uma
fase de ‘um processo de enfermagem’. A prestação de cuidados era hauptmotiv do desempenho profissional.
A equilibrada trilogia entre ser, crescer e formar
foi fortemente influenciada pelo início estruturado de atividade docente,
oportunidade que curiosamente não surge pelo reconhecimento de competências mas
sim pelo reconhecimento de qualificações.
O cidadão que no contexto de exercício de enfermagem
seria mais perito que proficiente, era agora iniciado na docência.
O percurso seguinte determinou uma perspetiva
profissional dicotómica, dual ou paralela. Enfermagem ou Gestão. Emoção ou razão.
Desejável ou possível. Prestação de cuidados ou Docência.
Num percurso de grande satisfação profissional com a
prestação de cuidados, fui sentindo progressivamente cada vez mais
estabilidade, confiança e segurança alicerçado no reconhecimento
multidisciplinar.
A frequência do Curso de Complemento de Formação em
Enfermagem acrescentou menos que o expectável. Talvez por elevadas e
desmesurada expectativas pessoais ou por dessincronia entre o momento cronológico
e percurso trilhado.
Durante dois anos letivos, a avaliação positiva do
desempenho com docente no curso de Gestão em Saúde da Universidade Atlântica, e
como enfermeiro no Hospital de S. José, não foram razão bastante para ser
reconhecido pela então coordenação do Curso de Licenciatura em Enfermagem da
mesma Universidade e a mudança voltou a acontecer.
A emoção queria Enfermagem, mas a razão procurou a
Gestão. O desejável seria docente em Barcarena/Lisboa, o possível foi Viseu.
A admissão no Programa de Doutoramento em nuevas
tendências en direción de la empresa da Universidade de Salamanca com aulas em
Viseu, despoletou o contacto e posterior colaboração com o Instituto Piaget.
Vivi neste momento, porventura uma das fases mais
intensas e conturbadas. Uma ‘verdadeira’ crisálida que rompe com a zona de
conforto e provoca na sua vida uma efetiva rutura epistemológica de Thomas
Kuhn. As semanas passaram divididas entre Lisboa e Viseu.
A emoção queria a Atlântica; a razão apontava para o
Piaget.
O processo de integração a um novo contexto
geográfico, social e profissional, efetivou-se de forma favorável tendo sido
muito evidente a melhoria que foi incorporada na organização e no ensino do
curso de enfermagem, nomeadamente ao nível das aulas teórico/práticas e nos
ensinos clínicos. Contudo a estratégia da Escola em Viseu era substancialmente
distinta da que defendi, nomeadamente ao nível de número de estudantes,
qualificação do corpo docente, diferenciação do ensino e tipologia de oferta
formativa.
A proposta de regresso à Universidade Atlântica, sem
dela nunca ter saído, permitiu-me o exercício profissional como docente
simultaneamente nas duas áreas. Enfermagem e Gestão.
Sequencialmente surge a oportunidade de colaborar com
a Escola Nacional de Saúde Pública, integrando um grupo de investigadores. Esta
atividade veio a demonstrar-se fundamental para orientação dos estudantes na
realização dos trabalhos de final de curso, que à época incorporavam as componentes
metodologica e empírica de investigação.
A bonança outrora almejada foi sendo alcançada.
A docência na área de Gestão em Saúde estava
alicerçada nos conhecimentos adquiridos ‘em Salamanca’ e nas competências de
investigação.
A docência na área da Enfermagem, com a assunção de maiores
responsabilidades na área de urgência/emergência, nomeadamente por ser
coordenador da Pós-graduação nessa área específica, coadjuvadas ao facto de ter
exercido na Unidade de Cuidados Intensivos, naturalmente fizeram emergir a
necessidade de formação acrescida na área de Enfermagem Médico-Cirúrgica.
A estrutura do Curso de Mestrado em Ciência de
Enfermagem, especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade
Católica respondia a esse desígnio.
A frequência do referido curso, evidenciou uma parte
teórica satisfatória, destacando os ensinos clínicos como a componente mais
relevante para o meu desenvolvimento profissional.
A área ‘opcional’ selecionada foi a Comissão de
Controlo de Infeção, tendo como horizonte a competência específica do enfermeiro
especialista: «maximiza a intervenção na
prevenção e controlo de infeção perante a pessoa em situação criativa e/ou
falência orgânica, face á complexidade da situação e à necessidade de respostas
em tempo útil e adequadas».
Neste contexto focamos a nossa atenção para o
desenvolvimento de ações promotoras de higienização das mãos por parte dos
profissionais de saúde, bem como na elaboração de 'Bundles' sobre a colocação
de cateteres venosos centrais.
Esta área de atenção, prevenção de infeções associadas
a cuidados de saúde (IACS), foi central nos ensinos clínicos seguintes que
decorreram na Unidade de Cuidados Intensivos de Neurocirurgia do Hospital de S.
José e no Serviço de Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier.
O ensino clínico nestas duas unidades permitiu-me
(re)adquirir competências técnicas, bem como (re)encontrar as famílias e as
equipas. Reconheço e reforço a extrema relevância que os ensinos clínicos
desempenharam no meu percurso profissional, mas a mais-valia ocorreu sobretudo
porque mobilizei, quase de imediato, a área da prevenção das IACS para as
devidas unidades curriculares do Curso de Licenciatura em Enfermagem e
Pós-graduação de Urgência e Emergência hospitalar.
Na época, ser regente das Unidades Curriculares de
Enfermagem Médico-Cirurgica, Enfermagem de Emergência no Curso de Licenciatura
de Enfermagem, bem como da abordagem ao doente neurocritico na Pós-Graduação de
Cuidados Intensivos para Enfermeiros, permitiu proceder a essa integração,
respeitando obviamente a matriz principal dos referidos Cursos/Unidades
Curriculares.
No ano letivo seguinte, em articulação com o Gabinete
de Pós-Graduações da Universidade e no respeito pela autonomia científica e
pedagógica, propus que a Pós-Graduação de Urgência e Emergência integrasse na
sua estrutura curricular a área da prevenção de Infeções Associadas aos
Cuidados de Saúde.
Para além da docência na área de Enfermagem, na área
de Gestão em Saúde, e nas Pós-Graduações, desenvolvei na Universidade Atlântica
funções de gestão, nomeadamente como assessor do Reitor, integrando o Gabinete
de Estudos e Planeamento. Desta forma colaborei na organização da distribuição
de serviço docente; participei nos processos de autoavaliação dos cursos; e
integrei o grupo para implementação do processo de avaliação dos docentes;
Nesta fase no meu percurso profissional a amplitude
das funções que desempenhava na Universidade Atlântica eram complementadas como
as responsabilidades de Vogal do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional
do Sul da Ordem dos Enfermeiros.
Apesar de diversificada, muito complexa e exigente, a
Universidade foi-se tornando um espaço de conforto profissional. Conhecia a
cultura organizacional, as pessoas, funcionários, dirigentes e professores.
Participei em alguns espaços reservados de análise, discussão e definição de
estratégica de uma Universidade que apesar de ‘privada’ tinha como principal
acionista uma Câmara Municipal.
Vi, senti e vivi, ao longo de mais de 15 anos de
relação com esta Universidade os impactos dos legítimos interesses e
desinteresses políticos. Também aqui poderíamos recorrer à profundidade que dos
apresenta Noam Chomsky sobretudo na “reciprocidade
entre política e teoria da linguagem/comunicação”.
Em 2012 assumo funções de Presidente do Conselho Diretivo
Regional da Secção Regional do Sul e volto a mais uma metamorfose.
As diversas responsabilidades estatutárias exigiram
significativa dedicação, o que implicou uma redução progressiva na atividade na
Universidade. Voltámos a ser crisálida.
Saímos do ‘átomo’ Universidade para abraçar um
‘cosmos’ com 4,4 milhões de habitantes, 27 mil enfermeiros, 3 Administrações
Regionais de Saúde, 3 Unidades Locais de Saúde, 27 unidades hospitalares, 9
centros hospitalares, 18 Agrupamentos de Centros de Saúde, 203 Unidades de
Cuidados de Saúde Personalizados, 154 Unidades de Saúde Familiar, 95 Unidades
de Cuidados na Comunidade, 21 Unidades de Saúde Pública, 117 Unidades de
Internamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, 14
Estabelecimentos de Ensino Superior com Curso de Enfermagem…
Liderei a equipa de 19 enfermeiros membros efetivos
dos órgãos regionais, num mandato de imensas concretizações… para os
enfermeiros, os serviços, as instituições, os cidadãos, as famílias e a
sociedade.
Recordo e reescrevo uma ideia transmitida no
relatório de estágio elaborado e apresentado aquando da defesa do título de
Mestre.
«As atividades desenvolvidas neste mandato serão
seguramente de maior
amplitude e profundidade que a capacidade de memória, registo, análise e
síntese o permitem.»
Em
função das 18 competências do Conselho Diretivo Regional, inscritas no ponto 2,
do artº 46, da Lei nº 156/2015, destaco três áreas de atuação:
Acompanhamento do exercício profissional;
Representação da Secção Regional;
Participação na definição de política regional e
comunicação externa;
A dimensão e heterogeneidade de contextos de prática
clínica determinaram a realização de forma sistemática e contínua Visitas de
Acampamento de Exercício Profissional.
Constatamos que as principais áreas de atenção foram:
dotações (in)seguras, limitações nos sistemas de informação e défice de
organização de serviços/recursos.
Ao longo de 4 anos verificamos de forma reiterada a
existência de uma relação paradoxal:
As pessoas e as famílias, fruto do contexto
socioeconómico desfavorável, apresentam mais necessidades em saúde e de maior
complexidade.
Por outro lado, os serviços e as equipas possuem
gradualmente menos recursos. Daqui resulta um efetivo comprometimento para a
Enfermagem, estando os enfermeiros exclusivamente absorvidos na realização de
atividades (tarefas) diárias e simultaneamente aleados/vítimas do desenvolvimento
profissional, que, nestes contexto passará a ser mais controlado/decidido por
não enfermeiros.
A representação da Secção
Regional, permitiu naturalmente o contacto com um sem número de instituições e
organismos públicos, privados e do setor social, nacionais e estrangeiros, que
exigiram elevada capacidade de comunicação e participação, na constante
afirmação da Enfermagem.
A relação institucional com estruturas de poder
regional (ARS) e de poder local (Hospitais, ACES e Municípios) permitiu
apresentar propostas concretas de melhoria das respostas às necessidades dos
cidadãos, destacando a recomendação profissional aprovada em Assembleia
Regional. Destaco também a realização conjunta de uma conferência de imprensa
com o Conselho Diretivo Regional do Sul da Ordem dos Médicos sobre a proposta
de Orçamento do Estado para o ano de 2015, e consequente reunião com a Comissão
Parlamentar de Saúde.
No âmbito da comunicação externa, de referir os
inúmeros textos produzidos na imprensa escrita sobre Sistema de Saúde e as
reportagens televisivas promovidas e acompanhadas sobre ‘casos positivos’ de
Enfermagem.
Olho o passado…! Indubitavelmente
nostalgia e confiança.
Reflito sobre o passado até onde
a memória me permite alcançar e de imediato surge o pensamento complexo de Edgar
Morin.
Vou ‘…olhar sobre o ombro’ (L. Nunes)
para pensar em conjunto as realidades entrelaçadas e complexas como o ‘Cuidar’
de Hesbeen, as intervenções dos enfermeiros no REPE e as competências dos
enfermeiros de cuidados gerais e dos enfermeiros especialistas.
E desse olhar emergem… transições
(A. Meleis)
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