segunda-feira, 28 de março de 2016

Pós atentado Belga/Europeu

22 de março 2016. O dia dos atentados em Bruxelas.
Ficará marcado como o dia em que simbolicamente os ‘terroristas’ atentaram contra o «centro» da Europa.
Nos inúmeros comentários e perspetivas sobre atentados terroristas que tivemos durante estes dias foi recorrente a relação com movimentos radicais ligados ao Islão. O discurso fácil será o de atribuir a um conjunto de pessoas com sanidade duvidosa a responsabilidade individual e exclusiva de tais comportamentos. O discurso difícil (muito difícil) será identificar fatores externos aos próprios que determinaram tais comportamentos. Estamos provavelmente a cometer um ‘erro antigo’ aquando da abordagens sobre o consumo de substancias ilícitas (drogas, à exceção do álcool). Em tempos, para investigar esses consumos, a pergunta de partida era: o que determinou o início de consumo de um consumidor? Para esta pergunta surgiam as naturais respostas… ‘fraca’ personalidade, famílias destruturadas, facilmente influenciável pelo grupo de pares, carências afetivas… et al
Contudo, verificávamos também que pessoas com ‘fraca’ personalidade, oriundas de famílias destruturadas, com carências afetivas e que pertenciam ao mesmo grupo de pares, não iniciavam consumos, ou se iniciavam não os mantinham. Esta evidência, eu diria também empírica, redirecionou as seguintes perguntas de partida para: quais os fatores protetores que determinam que os não consumidores o não sejam.
Evoco esta analogia, procurando centrar o olhar não tanto no 'transgressor' mas sim no 'respeitador' e relei-o uma frase do observador: “Entre os 19 bairros de Bruxelas, Molenbeek é o que tem maior densidade populacional. Vivem ali aproximadamente 100 mil pessoas e, entre estas, 30% são estrangeiras e outros 40% têm antepassados fora da Bélgica. O desemprego é altíssimo — enquanto na Bélgica a taxa é de apenas 8,5%, em Molenbeek estima-se que o número chegue aos 30%. Entre jovens, é de 40%.
Recordo a propósito de bairros com necessidades particulares, os conflitos em França no tempo do Presidente Nicolas Sarkozy, desencadeados por adolescentes/adultos jovens e que foram travados tão-somente… desligando a corrente elétrica desses bairros! Impossibilitados de usar os elevadores dos prédios mantiveram-se nos apartamentos!
Um ato suicida contra civis, meticulosamente delineado é de alguma forma contra-natura. Como é contra-natura ter política de imigração porventura laxista (não me estou a referir aos recentes fluxos de refugiados para a Europa) sem políticas de integração. Como é termos política externa sem termos política internacional de aproximação, como é termos defesa nacional sem termos defesa pessoal (dos direitos da pessoa), como é contra-natura pretender limitar o uso de armas sem diminuir a produção de armamento.
Os ataques terroristas não serão apenas um problema/causa. Eles são sintoma/efeito de uma globalização assimétrica, promotora tanto de desigualdades sociais como de expectativas desiguais.
Recupero um provérbio que dizem ser africano: “se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai acompanhado”.
Se pretendem ir rápido, reforcem a segurança com polícias e militares, condicionem a liberdade de circulação, e preparem-se para mais ataques.
Se pretendem ir longe, reduzam as desigualdades, promovam a inclusão e a participação cívica, a integração e a multiculturalidade, e talvez tenhamos menos ataques.

No dia 11 de setembro de 2001 estava na Turquia. 22 de março de 2016 em casa… no futuro será imprevisível…
AT

quarta-feira, 9 de março de 2016

... das mulheres


Aconteceu sair um texto no dia seguinte à comemoração do dia da mulher. Ao revisitar leituras mais antigas ou mais recentes tropeço em duas peculiares frases:
"Os homens estão num dilema. Temem a mulher mas, ao mesmo tempo, dão-lhe toda a importância para efeitos da sua autoafirmação". e
"O ferimento mais profundo que é infligido a uma mãe na nossa sociedade, não é só a sua opressão, mas a sua adaptação ao mito masculino da respetiva superioridade e a aceitação da própria insignificância."
 
Escrever sobre este dia podia ter por base o trágico/heroico acontecimento que determinou que o dia escolhido para homenagear as mulheres fosse o 8 de março. Ou derramar lamurias perante as atrocidades anti- femíneo, como seja, da violência doméstica à mutilação genital; da hipocrisia social perante poligamia feminina ao assédio no local de trabalho; das barreiras à progressão na carreira à ‘super mãe bimby/rainbow ’; da discriminação laboral ao tráfico de ‘seres humanas’;
Mas porque hoje saiu de cena o presidente da República Portuguesa Aníbal Cavaco Silva, o homem que foi à Figueira da Foz fazer a rodagem do carro e acabou a liderar a política portuguesa dos últimos 30 anos, irei referir-me a 3 ministras da saúde destas 3 décadas.
 
Leonor Beleza (1985-1990) Conceituada jurista com prévio percurso político e partidário. Liderou o Ministério na fase inicial de implantação universal do Serviço Nacional de Saúde, simultaneamente com uma forte e progressiva melhoria tecnológica nas unidades hospitalares. Viveu a fase de transição entre a alteração da Constituição da República (1989), onde o ‘gratuito’ passou a ‘tendencialmente gratuito’ e a Lei de Bases da Saúde (1990, já aprovado com o mesmo Primeiro Ministro mas com outro Ministro da Saúde) que abriu portas a novas formas de gestão no sistema de saúde. Teve como diretora geral do Departamento de Recursos Humanos da saúde (organismo público que estruturava/definia a contratações e progressões de todas as profissões de saúde) a Enfª Mariana Diniz de Sousa, que viria a ser a 1ª bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Num tempo em que a sociedade portuguesa ‘despertava’ do pós-revolução, e como tal exigia menores assimetrias sociais, ousou enfrentar um grupo profissional à época ainda mais elitista. Recordo as frutuosas conversas que tive com alguns colegas de um serviço de urgência que tão bem descreviam as noites em que a Ministra entrava no SU como doente… para em seguida tirar o ‘disfarce’ e pedir a lista de médicos escalados… Terminou o mandato atraiçoada/envolvida no que viria a ser «o caso das transfusões de sangue ‘contaminado’ a doentes hemofílicos» (a vingança serve-se fria, neste caso bem a baixo da temperatura necessária para conservar plasma). Hoje é presidente do Conselho de Administração de Fundação Champalimaud.
 

Maria de Belém (1995-1999) Jurista e militante partidária.
Era Ministra quando comecei a trabalhar como enfermeiro. Constituiu e liderou um grupo de personalidades/pensadores da Saúde que produziram alguns dos documentos mais relevantes sobre planeamento em saúde em Portugal de que tenho conhecimento. Resolveu, em concertação, o problema ‘crónico’ dos recibos verdes, garantindo a ascensão automática à categoria de enfermeiros graduado de todos os enfermeiros com 6 anos de exercício efetivo de funções. Concretizou a publicação do REPE (apesar do trabalho ter sido iniciado e incentivado pelo seu antecessor) tendo a criação da Ordem dos Enfermeiros (1998) ocorrido durante o seu mandato. Termina o seu mandato vítima da visão progressista apresentada pelos seus brilhantes ‘assessores’. A tentativa de introdução de graduais mas profundas reformas no Sistema de Saúde, naturalmente contra alguns poderes instalados (os do costume), fez rufar novamente os destintos estetoscópios. Ainda me recordo da expressão do então Primeiros Ministro: “não podemos fazer reformas contra os profissionais”. Transitou para o Ministério da Igualdade. Deputada, foi candidata a Presidente da Republica.

 

Ana Jorge (2008-2011) médica e discreta militante partidária.
Inicia o mandato após fortes críticas ao seu antecessor (muitas delas infundadas) da ‘opinião pública’ (influenciada). Permite a consolidação da reorganização dos cuidados de saúde primários iniciada poucos anos antes e concretiza a rede nacional de cuidados continuados integrados. Geriu com parcimónia alguns malabarismos promovidos por secretários de estado, procurando encontrar alicerces em ambas as margens para a edificação de pontes. Numa sessão pública, ‘confrontada’ com o facto dos jornalistas não a ouvirem ao fundo da sala, respondeu com elegância: “Sou pediatra. Estou habituada a falar com crianças e por isso falo baixinho”. Concretizou-se com esta ministra a alteração do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, com a introdução do Modelo de Desenvolvimento Profissional. Ainda me recordo do local onde almocei com ilustres colegas no dia em que se soube desse facto… Hoje mantém ligação ao Hospital Garcia de Orta.

Dos fracos (homens) não reza esta história…