Aconteceu sair um texto no dia seguinte à comemoração do dia da mulher. Ao revisitar leituras mais antigas ou mais recentes tropeço em duas peculiares frases:
"Os homens estão num dilema. Temem a mulher
mas, ao mesmo tempo, dão-lhe toda a importância para efeitos da sua
autoafirmação". e
"O ferimento mais profundo que é infligido a
uma mãe na nossa sociedade, não é só a sua opressão, mas a sua adaptação ao
mito masculino da respetiva superioridade e a aceitação da própria
insignificância."
Escrever sobre este dia podia ter por base o
trágico/heroico acontecimento que determinou que o dia escolhido para
homenagear as mulheres fosse o 8 de março. Ou derramar lamurias perante as
atrocidades anti- femíneo, como seja, da violência doméstica à mutilação genital; da
hipocrisia social perante poligamia feminina ao assédio no local de trabalho;
das barreiras à progressão na carreira à ‘super mãe bimby/rainbow ’; da discriminação
laboral ao tráfico de ‘seres humanas’;
Mas porque hoje saiu de cena o presidente da República
Portuguesa Aníbal Cavaco Silva, o homem que foi à Figueira da Foz fazer a
rodagem do carro e acabou a liderar a política portuguesa dos últimos 30 anos, irei
referir-me a 3 ministras da saúde destas 3 décadas.
Leonor
Beleza (1985-1990) Conceituada jurista com prévio percurso político e
partidário. Liderou o Ministério na fase inicial de implantação universal do
Serviço Nacional de Saúde, simultaneamente com uma forte e progressiva melhoria
tecnológica nas unidades hospitalares. Viveu a fase de transição entre a
alteração da Constituição da República (1989), onde o ‘gratuito’ passou a ‘tendencialmente
gratuito’ e a Lei de Bases da Saúde (1990, já aprovado com o mesmo Primeiro
Ministro mas com outro Ministro da Saúde) que abriu portas a novas formas de
gestão no sistema de saúde. Teve como diretora geral do Departamento de
Recursos Humanos da saúde (organismo público que estruturava/definia a contratações
e progressões de todas as profissões de saúde) a Enfª Mariana Diniz de Sousa,
que viria a ser a 1ª bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Num tempo em que a sociedade
portuguesa ‘despertava’ do pós-revolução, e como tal exigia menores assimetrias
sociais, ousou enfrentar um grupo profissional à época ainda mais elitista. Recordo
as frutuosas conversas que tive com alguns colegas de um serviço de urgência
que tão bem descreviam as noites em que a Ministra entrava no SU como doente…
para em seguida tirar o ‘disfarce’ e pedir a lista de médicos escalados… Terminou
o mandato atraiçoada/envolvida no que viria a ser «o caso das transfusões de
sangue ‘contaminado’ a doentes hemofílicos» (a vingança serve-se fria, neste
caso bem a baixo da temperatura necessária para conservar plasma). Hoje é
presidente do Conselho de Administração de Fundação Champalimaud.
Maria de Belém (1995-1999) Jurista e militante partidária.
Era Ministra quando comecei a trabalhar como enfermeiro. Constituiu e
liderou um grupo de personalidades/pensadores da Saúde que produziram alguns dos
documentos mais relevantes sobre planeamento em saúde em Portugal de que tenho
conhecimento. Resolveu, em concertação, o problema ‘crónico’ dos recibos
verdes, garantindo a ascensão automática à categoria de enfermeiros graduado de
todos os enfermeiros com 6 anos de exercício efetivo de funções. Concretizou a
publicação do REPE (apesar do trabalho ter sido iniciado e incentivado pelo seu
antecessor) tendo a criação da Ordem dos Enfermeiros (1998) ocorrido durante o
seu mandato. Termina o seu mandato vítima da visão progressista apresentada pelos
seus brilhantes ‘assessores’. A tentativa de introdução de graduais mas profundas
reformas no Sistema de Saúde, naturalmente contra alguns poderes instalados (os
do costume), fez rufar novamente os destintos estetoscópios. Ainda me recordo
da expressão do então Primeiros Ministro: “não podemos fazer reformas contra os
profissionais”. Transitou para o Ministério da Igualdade. Deputada, foi candidata a Presidente da Republica.
Ana Jorge (2008-2011) médica e discreta militante partidária.
Inicia o mandato após fortes críticas ao seu antecessor (muitas delas infundadas) da ‘opinião
pública’ (influenciada). Permite a consolidação da reorganização
dos cuidados de saúde primários iniciada poucos anos antes e concretiza a rede
nacional de cuidados continuados integrados. Geriu com parcimónia alguns
malabarismos promovidos por secretários de estado, procurando encontrar
alicerces em ambas as margens para a edificação de pontes. Numa sessão pública, ‘confrontada’
com o facto dos jornalistas não a ouvirem ao fundo da sala, respondeu com
elegância: “Sou pediatra. Estou habituada a falar com crianças e por isso falo
baixinho”. Concretizou-se com esta ministra a alteração do Estatuto da Ordem
dos Enfermeiros, com a introdução do Modelo de Desenvolvimento Profissional. Ainda
me recordo do local onde almocei com ilustres colegas no dia em que se soube
desse facto… Hoje mantém ligação ao Hospital
Garcia de Orta.
Dos fracos (homens) não reza esta
história…
Não retirando qualquer o mérito às grandes mulheres da nossa história, a descrença de hoje terá mesmo a ver com o dia. A Cavaco Silva, que agora tenha boa velhice e como conselho: convém cortar nos doces!
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