sábado, 25 de junho de 2016

Ato Médico. Sintonia, Matreirice e "comer de cebolada"

De tempos a tempos surge a discussão do 'ato médico', cada vez com "fundamentos" mais rebuscados! O candidato a bastonário da ordem dos médicos, neste artigo alude à corrupção por falta de definição jurídica de 'ato médico'...! Incrível! O 'problema' dos médicos (de alguns) não está na usurpação de funções quando a D Maria da mercearia do mercado da ribeira sugere, numa tal consulta, que a sua vizinha Emília coma menos bananas e mais romãs por causa dos diabretes, ou que o Sr Zé Manel da barbearia de Coimbra diga ao Sr Miguel que para a dor de dentes o melhor é a bela aguardente caseira do Sr Pedro...
O problema dos médicos são, a autonomia de aconselhamento e venda de medicamentos por parte dos farmacêuticos, autonomia da intervenção dos fisioterapeutas, o resultado das ditas alternativas/complementares (homeopatia, acumpultura e muitas outras) ou a autonomia de exercício do efetivo enfermeiro de família (não o é 'apenas' por trabalhar numa USF, já para não equacionar a literacia em saúde... que um destes dias, saber será crime!
Noutros tempos as razões podiam ser outras, mas hoje, a aprovação mais que evidente do 'ato médico' só pode estar relacionada com tentativa de dominância hegemónica dos médicos sobre os outros, todos os outros, profissionais na área da saúde. Para mim, entre Ordens não existe "usurpação de funções" (crime público punível até 3 anos de prisão efetiva) mas sim negociação, clarificação e entendimento estratégico... Claro que o REPE (aprovado em 1996) tem uma configuração lata, global, abrangente... Mas sabemos que na discussão prévia ao REPE, havia (também enfermeiros) que defendiam o 'ato de enfermagem' (uma lista de tarefas que os enfermeiros estariam autorizados a realizar... e, naturalmente, sob prescrição e supervisão médica).
A sintonia entre cessante e pretendente (bastonários médicos) é evidente perante o artigo já referido e este publicados em dias seguintes.
Já a matreirice está na expressão, agora, repetida tantas e tantas vezes publicamente pelo autor do segundo. Agora que já está de saída da Gago Coutinho, afirma do arauto da sua posição paternalista dominante, "como é possível estarmos a exportar tantos enfermeiros quando fazem falta ao sistema de saúde português?"... O mesmo que em 2014 afirmava que os cuidados de saúde primários não precisavam de "enfermeiro sinaleiro" (na discussão do enfermeiro de família). E perante este lume brando da cebolada, lá vai a outra representante profissional colocar-se a jeito dizendo, também repetidamente, "nunca como agora, as nossas Ordens estiverem tão de acordo, Sr. Dr."!

O 'ato médico' vai agora ser aprovado. Não foi no verão de 1999 (coincidência ser novamente no verão, mas agora será sob anestesia geral... do Europeu de futebol) por ação de grande coragem política do então Presidente da República Jorge Sampaio, que vetou a aprovação da lei da AR.

Não esquecer que estamos hoje numa conjuntura política de esquerda; onde o Primeiro Ministro para se manter à tona de água até segura o chapéu de chuva do Presidente da República; onde este é tão popular que faz <flash interview> de futebol; numa Europa fraca perante brexit; e numa fase em que a falta de visão de futuro para a nossa profissão é por demais evidente, lamentável e mais que percebida pelo decisor.
O que será também interessante de apreciar, pós aprovação do 'ato médico' serão os votos de vitória que todos irão fazer... Sendo que já estou a ver a outra representante profissional e fieis súbditos afirmarem aos 'sete ventos' (redes sociais e vídeos promocionais) que a proposta inicial era muito pior, e que conseguiram alterar esse documento a bem da profissão. Não me preocupa especificamente a "letra da lei" que será escrita, mas o sentido/tendência da(s) Política(s)...
Depois da lei 2/2013 que regula a atividade das Ordens ter 'amputado drasticamente' a autonomia destas, do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros de 2015 impedir liminarmente a possibilidade de criação de condições favoráveis e regulamentares de acesso à profissão, a aprovação do 'ato médico' relega a Enfermagem Portuguesa para a década de 70.

Assim sendo, resta-nos como estratégico para a profissão e para a qualidade e segurança dos cuidados de enfermagem para os Portugueses, falar de: carência (Portugal precisa de 20 mil enfermeiros (!)) assédio moral, burnout, encerramento de camas (está prevista a construção de mais hospitais (!) e de mais vagas em cuidados continuados (!)) denúncias nominais serviço a serviço (quais justiceiros dos tempos antigos) e, mais recentemente, que os enfermeiros Portugueses (licenciados, com vasta 'formação ao longo da vida') afinal precisam de mais formação... Há que admitir, há por ai uma representante que é visionária!



2 comentários:

  1. Não diria melhor! Reafirmo preocupação, mas igualmente convicção de que está nas mãos dos que ainda acreditam mudar o (s) rumo (s). Abraço. Pedro Melo.

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  2. Muito interessante, como sempre! Bjinho

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