sexta-feira, 1 de julho de 2016

... refletir sobre 20 anos!













Percurso Profissional (Apresentado no Concurso Para Especialista Académico)
Em diferentes momentos da vida, aparentes pequenas oportunidades provocaram grandes metamorfismos pessoais, familiares e profissionais.
Foi assim em 1995 (Coimbra), 2001 (Universidade Atlântica), 2003 (Instituto Piaget), 2007 (Ordem dos Enfermeiros) e também em 2011.
A frequência do Curso Superior de Enfermagem em Coimbra, tendo eu crescido em Sintra, permitiu-me reforçar a responsabilidade do que hoje, vinte anos volvidos, se reconhece por desenvolvimento profissional.
Fruto do caminho percorrido, atualmente reflito com mais amplitude sobre a frase de Ortega “O homem é o homem e a sua circunstância”.
Os sete anos de exercício profissional com enfermeiro (cuidados gerais) na Unidade de Cuidados Intensivos de Neurocirurgia do Hospital de S. José, foram uma verdadeira ‘escola profissional’, cujo impacto no meu desenvolvimento só terá sido percecionado em anos posteriores. Decorrente do trabalho, dedicação, pesquisa, discussão intra equipa, bem como de reflexão na e sobre as práticas, ‘fui’ Patricia Benner antes de a conhecer.
Se numa fase inicial, estive centrado no domínio da componente técnica, progressivamente a energia de um jovem enfermeiro foi direcionada para as famílias e para a equipa.
Consciente deste facto, não vislumbro porém quem ‘chegou primeiro’, se a família se a equipa.
A intensa participação nas discussões sobre Enfermagem, o acompanhamento de estudantes em Ensino Clínico e, apesar de com menos frequência a integração de jovens profissionais, prepararam-me ou desencadearam um enorme interesse pela dimensão pedagógica/educativa.
Este processo causava um relativo paradoxo de sentimentos.
A evidente satisfação pelo resultado desta profícua interação formativa era, introspetivamente ensombrado pelo receio de estagnação.
Num contexto em que a oferta formativa na área de enfermagem (especialidades) era bastante limitada, para não dizer inacessível, a um enfermeiro com pouco mais de dois anos de experiência profissional, experiência essa que muitas vezes era o critério decisivo, o curso de Licenciatura em Gestão em Saúde surgiu como percursor de mais um metamorfismo.
A proximidade geográfica da Universidade à residência, bem como a possibilidade de frequência às aulas em regime pós-laboral, foram acessórios favoráveis a acrescentar à possibilidade concreta de adquirir conhecimentos em Gestão e assim melhor compreender e intervir junto da equipa.
Competente mas talvez ainda não proficiente. O percurso profissional, apesar de exercido no mesmo serviço, foi enriquecido em consequência das inúmeras análises situacionais mais globais que parcelares. O contexto de exercício profissional passou de átomo a cosmos e o desempenho foi segura e continuamente melhorado. A prestação de cuidados não era apenas uma fase de ‘um processo de enfermagem’. A prestação de cuidados era hauptmotiv do desempenho profissional.
A equilibrada trilogia entre ser, crescer e formar foi fortemente influenciada pelo início estruturado de atividade docente, oportunidade que curiosamente não surge pelo reconhecimento de competências mas sim pelo reconhecimento de qualificações.
O cidadão que no contexto de exercício de enfermagem seria mais perito que proficiente, era agora iniciado na docência.
O percurso seguinte determinou uma perspetiva profissional dicotómica, dual ou paralela. Enfermagem ou Gestão. Emoção ou razão. Desejável ou possível. Prestação de cuidados ou Docência.
Num percurso de grande satisfação profissional com a prestação de cuidados, fui sentindo progressivamente cada vez mais estabilidade, confiança e segurança alicerçado no reconhecimento multidisciplinar.
A frequência do Curso de Complemento de Formação em Enfermagem acrescentou menos que o expectável. Talvez por elevadas e desmesurada expectativas pessoais ou por dessincronia entre o momento cronológico e percurso trilhado.
Durante dois anos letivos, a avaliação positiva do desempenho com docente no curso de Gestão em Saúde da Universidade Atlântica, e como enfermeiro no Hospital de S. José, não foram razão bastante para ser reconhecido pela então coordenação do Curso de Licenciatura em Enfermagem da mesma Universidade e a mudança voltou a acontecer.
A emoção queria Enfermagem, mas a razão procurou a Gestão. O desejável seria docente em Barcarena/Lisboa, o possível foi Viseu.
A admissão no Programa de Doutoramento em nuevas tendências en direción de la empresa da Universidade de Salamanca com aulas em Viseu, despoletou o contacto e posterior colaboração com o Instituto Piaget.
Vivi neste momento, porventura uma das fases mais intensas e conturbadas. Uma ‘verdadeira’ crisálida que rompe com a zona de conforto e provoca na sua vida uma efetiva rutura epistemológica de Thomas Kuhn. As semanas passaram divididas entre Lisboa e Viseu.
A emoção queria a Atlântica; a razão apontava para o Piaget.
O processo de integração a um novo contexto geográfico, social e profissional, efetivou-se de forma favorável tendo sido muito evidente a melhoria que foi incorporada na organização e no ensino do curso de enfermagem, nomeadamente ao nível das aulas teórico/práticas e nos ensinos clínicos. Contudo a estratégia da Escola em Viseu era substancialmente distinta da que defendi, nomeadamente ao nível de número de estudantes, qualificação do corpo docente, diferenciação do ensino e tipologia de oferta formativa.
A proposta de regresso à Universidade Atlântica, sem dela nunca ter saído, permitiu-me o exercício profissional como docente simultaneamente nas duas áreas. Enfermagem e Gestão.
Sequencialmente surge a oportunidade de colaborar com a Escola Nacional de Saúde Pública, integrando um grupo de investigadores. Esta atividade veio a demonstrar-se fundamental para orientação dos estudantes na realização dos trabalhos de final de curso, que à época incorporavam as componentes metodologica e empírica de investigação.
A bonança outrora almejada foi sendo alcançada.
A docência na área de Gestão em Saúde estava alicerçada nos conhecimentos adquiridos ‘em Salamanca’ e nas competências de investigação.
A docência na área da Enfermagem, com a assunção de maiores responsabilidades na área de urgência/emergência, nomeadamente por ser coordenador da Pós-graduação nessa área específica, coadjuvadas ao facto de ter exercido na Unidade de Cuidados Intensivos, naturalmente fizeram emergir a necessidade de formação acrescida na área de Enfermagem Médico-Cirúrgica.
A estrutura do Curso de Mestrado em Ciência de Enfermagem, especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade Católica respondia a esse desígnio.
A frequência do referido curso, evidenciou uma parte teórica satisfatória, destacando os ensinos clínicos como a componente mais relevante para o meu desenvolvimento profissional.
A área ‘opcional’ selecionada foi a Comissão de Controlo de Infeção, tendo como horizonte a competência específica do enfermeiro especialista: «maximiza a intervenção na prevenção e controlo de infeção perante a pessoa em situação criativa e/ou falência orgânica, face á complexidade da situação e à necessidade de respostas em tempo útil e adequadas».
Neste contexto focamos a nossa atenção para o desenvolvimento de ações promotoras de higienização das mãos por parte dos profissionais de saúde, bem como na elaboração de 'Bundles' sobre a colocação de cateteres venosos centrais.
Esta área de atenção, prevenção de infeções associadas a cuidados de saúde (IACS), foi central nos ensinos clínicos seguintes que decorreram na Unidade de Cuidados Intensivos de Neurocirurgia do Hospital de S. José e no Serviço de Urgência do Hospital de S. Francisco Xavier.
O ensino clínico nestas duas unidades permitiu-me (re)adquirir competências técnicas, bem como (re)encontrar as famílias e as equipas. Reconheço e reforço a extrema relevância que os ensinos clínicos desempenharam no meu percurso profissional, mas a mais-valia ocorreu sobretudo porque mobilizei, quase de imediato, a área da prevenção das IACS para as devidas unidades curriculares do Curso de Licenciatura em Enfermagem e Pós-graduação de Urgência e Emergência hospitalar.
Na época, ser regente das Unidades Curriculares de Enfermagem Médico-Cirurgica, Enfermagem de Emergência no Curso de Licenciatura de Enfermagem, bem como da abordagem ao doente neurocritico na Pós-Graduação de Cuidados Intensivos para Enfermeiros, permitiu proceder a essa integração, respeitando obviamente a matriz principal dos referidos Cursos/Unidades Curriculares.
No ano letivo seguinte, em articulação com o Gabinete de Pós-Graduações da Universidade e no respeito pela autonomia científica e pedagógica, propus que a Pós-Graduação de Urgência e Emergência integrasse na sua estrutura curricular a área da prevenção de Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde.
Para além da docência na área de Enfermagem, na área de Gestão em Saúde, e nas Pós-Graduações, desenvolvei na Universidade Atlântica funções de gestão, nomeadamente como assessor do Reitor, integrando o Gabinete de Estudos e Planeamento. Desta forma colaborei na organização da distribuição de serviço docente; participei nos processos de autoavaliação dos cursos; e integrei o grupo para implementação do processo de avaliação dos docentes;
Nesta fase no meu percurso profissional a amplitude das funções que desempenhava na Universidade Atlântica eram complementadas como as responsabilidades de Vogal do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros.
Apesar de diversificada, muito complexa e exigente, a Universidade foi-se tornando um espaço de conforto profissional. Conhecia a cultura organizacional, as pessoas, funcionários, dirigentes e professores. Participei em alguns espaços reservados de análise, discussão e definição de estratégica de uma Universidade que apesar de ‘privada’ tinha como principal acionista uma Câmara Municipal.
Vi, senti e vivi, ao longo de mais de 15 anos de relação com esta Universidade os impactos dos legítimos interesses e desinteresses políticos. Também aqui poderíamos recorrer à profundidade que dos apresenta Noam Chomsky sobretudo na “reciprocidade entre política e teoria da linguagem/comunicação”.
Em 2012 assumo funções de Presidente do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Sul e volto a mais uma metamorfose.
As diversas responsabilidades estatutárias exigiram significativa dedicação, o que implicou uma redução progressiva na atividade na Universidade. Voltámos a ser crisálida.
Saímos do ‘átomo’ Universidade para abraçar um ‘cosmos’ com 4,4 milhões de habitantes, 27 mil enfermeiros, 3 Administrações Regionais de Saúde, 3 Unidades Locais de Saúde, 27 unidades hospitalares, 9 centros hospitalares, 18 Agrupamentos de Centros de Saúde, 203 Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, 154 Unidades de Saúde Familiar, 95 Unidades de Cuidados na Comunidade, 21 Unidades de Saúde Pública, 117 Unidades de Internamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, 14 Estabelecimentos de Ensino Superior com Curso de Enfermagem…
Liderei a equipa de 19 enfermeiros membros efetivos dos órgãos regionais, num mandato de imensas concretizações… para os enfermeiros, os serviços, as instituições, os cidadãos, as famílias e a sociedade.
Recordo e reescrevo uma ideia transmitida no relatório de estágio elaborado e apresentado aquando da defesa do título de Mestre.
«As atividades desenvolvidas neste mandato serão seguramente de maior amplitude e profundidade que a capacidade de memória, registo, análise e síntese o permitem.»
Em função das 18 competências do Conselho Diretivo Regional, inscritas no ponto 2, do artº 46, da Lei nº 156/2015, destaco três áreas de atuação:
Acompanhamento do exercício profissional;
Representação da Secção Regional;
Participação na definição de política regional e comunicação externa;
A dimensão e heterogeneidade de contextos de prática clínica determinaram a realização de forma sistemática e contínua Visitas de Acampamento de Exercício Profissional.
Constatamos que as principais áreas de atenção foram: dotações (in)seguras, limitações nos sistemas de informação e défice de organização de serviços/recursos.
Ao longo de 4 anos verificamos de forma reiterada a existência de uma relação paradoxal:
As pessoas e as famílias, fruto do contexto socioeconómico desfavorável, apresentam mais necessidades em saúde e de maior complexidade.
Por outro lado, os serviços e as equipas possuem gradualmente menos recursos. Daqui resulta um efetivo comprometimento para a Enfermagem, estando os enfermeiros exclusivamente absorvidos na realização de atividades (tarefas) diárias e simultaneamente aleados/vítimas do desenvolvimento profissional, que, nestes contexto passará a ser mais controlado/decidido por não enfermeiros.
A representação da Secção Regional, permitiu naturalmente o contacto com um sem número de instituições e organismos públicos, privados e do setor social, nacionais e estrangeiros, que exigiram elevada capacidade de comunicação e participação, na constante afirmação da Enfermagem.
A relação institucional com estruturas de poder regional (ARS) e de poder local (Hospitais, ACES e Municípios) permitiu apresentar propostas concretas de melhoria das respostas às necessidades dos cidadãos, destacando a recomendação profissional aprovada em Assembleia Regional. Destaco também a realização conjunta de uma conferência de imprensa com o Conselho Diretivo Regional do Sul da Ordem dos Médicos sobre a proposta de Orçamento do Estado para o ano de 2015, e consequente reunião com a Comissão Parlamentar de Saúde.
No âmbito da comunicação externa, de referir os inúmeros textos produzidos na imprensa escrita sobre Sistema de Saúde e as reportagens televisivas promovidas e acompanhadas sobre ‘casos positivos’ de Enfermagem.
Olho o passado…! Indubitavelmente nostalgia e confiança.
Reflito sobre o passado até onde a memória me permite alcançar e de imediato surge o pensamento complexo de Edgar Morin.
Vou ‘…olhar sobre o ombro’ (L. Nunes) para pensar em conjunto as realidades entrelaçadas e complexas como o ‘Cuidar’ de Hesbeen, as intervenções dos enfermeiros no REPE e as competências dos enfermeiros de cuidados gerais e dos enfermeiros especialistas.
E desse olhar emergem… transições (A. Meleis)
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